Filosofias Salgadas

Devaneios, loucuras, filosofias, chinelagens, lariras, badernas, balbúrdias e tudo mais que o povo gosta, mas sempre usando a cabeça, por que aqui ninguém usa chapéu!

sábado, 23 de maio de 2020

Estufou, ou foi na lua?

Bate-pronto

Tu conheces o lance.

A bola vem lá de cima, na sobra de um escanteio, e quando mal encosta no gramado, o cara solta uma patada!

Quando o cara pega na veia, estufa a rede!

Quando pega “de revesgueio”, com dizemos por estes pagos, vai lá no anel superior do estádio.

Não é normal um craque bater de bate-pronto. Normalmente o craque “finge” o bate-pronto, coloca ela macia no grama já fitando o adversário, ajeita o corpo e coloca como se fosse com a mão, normalmente na gaveta.

Bate-pronto é coisa de VOLANTE!
A bola sobra do escanteio e ele vem correndo enlouquecido lá do círculo central, completamente cego, dentes e punhos cerrados…

Nem pesa.

Só age.

TUM.
Uma paulada…
Por vezes acerta o gol. Golaço!
Normalmente na lua!

E foi isso o que me surpreendeu.

Hoje eu estava escutando rádio.
Qualquer bobagem enquanto cozinhava, quando um dos caras começou a dar dicas de filmes no NETFLIX. Três filmes com dilemas éticos. Não lembro dos outros, mas no último, o enredo era de um pai, cujo filho tinha uma doença grave e estaria para morrer. Desesperado, o pai leva o filho a um curandeiro que diz poder salvar a criança, desde que o pai MATASSE uma pessoa…

“EU MATO”respondeu de bate-pronto um dos participantes do programa.
Assim. Sem pensar.

Olhos fechados, dentes cerrados.
Uma paulada.

Para minha surpresa, não era um volante…
Era o David Coimbra.
Aquilo me bateu.

Não pelo fato de ele aceitar matar alguém para salvar seu próprio filho…
Por isso é um dilema ético. Alguns vão concordar, outros discordar, normal…
Mas um dilema ético pressupõe discussão interna, pensamento, balanço das opções, enfim, incerteza.
Essa falta de incerteza me assustou.

Ele me pareceu um volante brucutu. Nem pensou, só bateu.
Na minha opinião, o David Coimbra sempre foi um grande jogador. Um meia clássico. Cheio de truques no repertório, dribles e fintas, viradas de jogo…
Foi um dos meus escritores favoritos na adolescência, importantíssimo na minha formação como leitor… Ele tem livros incríveis!
Por isso a minha desilusão.
Muitas vezes discordei de seus posicionamentos políticos, acho isso saudável, a aceitação cega de posições nunca é interessante, porém nunca deixei de admirá-lo como escritor.
Mas esse BATE-PRONTO…

Se um cara tão culto e lúcido fecha os olhos e bate do jeito que a bola vem…
Uma bola difícil, “de revesgueio”, uma bola cheia de efeito…
O que esperar de um volante, que nunca deu um drible, só faz o feijão com arroz?
E o zagueiro?? Que aprendeu que se ele não bater vai para o banco?

Eu espero mais dos nossos pensadores.
Onde estão os meias?
O dilema e a ilusão morreram?
Não produzimos mais meias pensadores?

Eu espero que os nossos meias NÃO FECHEM OS OLHOS na hora de bater.