Estufou, ou foi na lua? |
Bate-pronto
Tu conheces o lance.
A
bola vem lá de cima, na sobra de um escanteio, e quando mal encosta
no gramado, o cara solta uma patada!
Quando
o cara pega na veia, estufa a rede!
Quando
pega “de revesgueio”, com dizemos por estes pagos, vai lá no
anel superior do estádio.
Não
é normal um craque bater de bate-pronto. Normalmente o craque
“finge” o bate-pronto, coloca ela macia no grama já fitando o
adversário, ajeita o corpo e coloca como se fosse com a mão,
normalmente na gaveta.
Bate-pronto
é coisa de VOLANTE!
A
bola sobra do escanteio e ele vem correndo enlouquecido lá do
círculo central, completamente cego, dentes e punhos cerrados…
Nem
pesa.
Só
age.
TUM.
Uma
paulada…
Por
vezes acerta o gol. Golaço!
Normalmente
na lua!
E
foi isso o que me surpreendeu.
Hoje
eu estava escutando rádio.
Qualquer
bobagem enquanto cozinhava, quando um dos caras começou a dar dicas
de filmes no NETFLIX. Três filmes com dilemas éticos. Não lembro
dos outros, mas no último, o enredo era de um pai, cujo filho tinha
uma doença grave e estaria para morrer. Desesperado, o pai leva o
filho a um curandeiro que diz poder salvar a criança, desde que o
pai MATASSE uma pessoa…
“EU
MATO”, respondeu de bate-pronto um dos participantes do programa.
Assim.
Sem pensar.
Olhos
fechados, dentes cerrados.
Uma
paulada.
Para
minha surpresa, não era um volante…
Era
o David Coimbra.
Aquilo
me bateu.
Não
pelo fato de ele aceitar matar alguém para salvar seu próprio
filho…
Por
isso é um dilema ético. Alguns vão concordar, outros discordar,
normal…
Mas
um dilema ético pressupõe discussão interna, pensamento, balanço das
opções, enfim, incerteza.
Essa
falta de incerteza me assustou.
Ele
me pareceu um volante brucutu. Nem pensou, só bateu.
Na
minha opinião, o David Coimbra sempre foi um grande jogador. Um meia
clássico. Cheio de truques no repertório, dribles e fintas, viradas
de jogo…
Foi
um dos meus escritores favoritos na adolescência, importantíssimo
na minha formação como leitor… Ele tem livros incríveis!
Por
isso a minha desilusão.
Muitas
vezes discordei de seus posicionamentos políticos, acho isso
saudável, a aceitação cega de posições nunca é interessante,
porém nunca deixei de admirá-lo como escritor.
Mas
esse BATE-PRONTO…
Se
um cara tão culto e lúcido fecha os olhos e bate do jeito que a
bola vem…
Uma
bola difícil, “de revesgueio”, uma bola cheia de efeito…
O
que esperar de um volante, que nunca deu um drible, só faz o feijão
com arroz?
E
o zagueiro?? Que aprendeu que se ele não bater vai para o banco?
Eu
espero mais dos nossos pensadores.
Onde
estão os meias?
O dilema e a ilusão morreram?
Não
produzimos mais meias pensadores?
Eu
espero que os nossos meias NÃO FECHEM OS OLHOS na hora de bater.