Filosofias Salgadas

Devaneios, loucuras, filosofias, chinelagens, lariras, badernas, balbúrdias e tudo mais que o povo gosta, mas sempre usando a cabeça, por que aqui ninguém usa chapéu!

sexta-feira, 3 de agosto de 2018

A página 246 me apunhalou

           Estou há mais de três meses claudicando na leitura da biografia do Gandhi. Não que seja uma história das mais chatas, bem longe disto, o cara teve uma vida extremamente interessante e maluca, mas o escritor desta edição que eu tenho (Louis Fischer) não conseguiu me cativar a ponto de eu querer acabar logo. Então fico nessa de ler duas páginas, cair no sono profundo, ler mais duas e ser fisgado pela grande emoção de um passarinho passando pela janela, mais três e filosofar sobre o tempo passando por debaixo do armário... coisas assim.

          Li outros dois livros muito mais divertidos antes de conseguir fechar pela última vez o "Gandhi", "O pistoleiro" do Stephen King e "A Elegância do Ouriço" da Muriel Barbery, outra hora escrevo sobre esses dois (ou nunca).
         
           Mas a página 246, em uma manhã de sábado chata pra caramba, me apunhalou:

          ..."entrevistar Jinnah era como ficar a ouvir um disco fonográfico quebrado; não havia argumentações, nem assunto; apenas infinitas repetições de lemas, tais como: Os Hindus e Os Muçulmanos são nações separadas; Gandhi quer o Hinduraj (estado Hindu); O Paquistão deve ser criado. Este fanatismo unilateral, esta paixão não-raciocinante, este ódio ilimitado - tudo reunido numa pessoa não suspeita de motivos egoísticos- exerciam um fascínio enorme sobre o espírito de pessoas cuja vida dura e cujas frustrações as tornavam presa fácil de objetivos simples, carregados de emoção: Os Muçulmanos devem possuir seu próprio país; os Muçulmanos governarão os Hindus e os Sikhs, em vez de serem governados; que se retirem os Hindus mercadores, industriais, lavradores e funcionários públicos. As vítimas de Jinnah ignoravam, exatamente como ele, a matemática das minorias e as considerações de ordem prática. Jinnah dava-lhes um estandarte intoxicante: o Paquistão. Ele pensava exclusivamente em conseguir o Paquistão; não pensava nunca nos problemas do Paquistão. Com efeito, durante os primeiros poucos anos depois de ter esboçado a ideia, recusou-se até a indicar os limites territoriais do Paquistão. Quanto menos concreto o plano, tanto mais fascinante ele se fazia, e tanto menos atingível se tornava à crítica. A situação era um paraíso de fanático."

         Contextualizando:
         Este menino Jinnah, era um opositor político das ideias de Gandhi em um momento de ruptura da Índia com a Inglaterra. Enquanto Gandhi queria uma Índia unida com todas as diversas religiões que ali existiam convivendo harmoniosamente e tendo representatividade equânime no parlamento a ser criado, Jinnah queria o desmembramento do Paquistão para que os Muçulmanos se auto gerissem depois que os Ingleses fossem embora.

         Obviamente a história não é tão simples assim (só simplifiquei para que quem fosse ler não dormisse, como eu fiz).

         Quando li este trecho me bateu uma vontade maluca de discutir minhas posições políticas com alguém, e como a Nega Véia não tem pra onde fugir, fui nela!!
       
         Logo depois de ler, ela teve o mesmo pensamento que eu tive: Troca-se o "nome" Jinnah por Bolsonaro e o "sonho do Paquistão" por Brasil forte e livre de corrupção! Pronto. O texto faz total sentido para o momento atual das eleições presidenciais.

         Mas...
         E tem sempre um "mas" em tudo.
         Eu fiz o papel de advogado do diabo.

         E se trocarmos o nome "Jinnah" por Lula e o sonho do Paquistão por "igualdade"?

         Outro dia estava ouvindo o programa do Reinaldo Azevedo no rádio (não que eu concorde com a linha de pensamento dele, mas como dizia meu avô: -A gente tem que ouvir pra poder criticar) e em dado momento ele diz: "um governo que fala em igualdade, dentro do sistema econômico capitalista em que vivemos é demagogo". É uma obviedade. Mas as obviedades têm que ser ditas.

         Como esses dias me disseram que eu tinha sofrido lavagem cerebral, ando desconfiando das minhas certezas e conceitos. 

         Eu sempre fiz a crítica aos governos do PT. Acho que em algum momento -talvez movido pela sede de poder, talvez pelo imediatismo de fazer as mudanças tão almejadas pela grande massa que elegeu o partido, talvez influenciado pelo modus operandi dos partidos coligados- ele deixou a ideologia de que o trabalhador deve ser o personagem central da máquina estatal, fazendo conchavos com os grandes conglomerados empresariais que obviamente iriam cobrar a conta em algum momento, abrindo espaço para antigas lideranças políticas muito nocivas o país, etc...

          Do meu ponto de vista perdeu-se o momento ideal para uma revolução na vida do Brasil, por ter um governo de esquerda com a população totalmente favorável à mudanças drásticas

         Apesar disto, ainda foi o governo (durante meu tempo de vida e que a história recente do Brasil conta) onde tivemos a melhor condição humana, financeira, educacional, de possibilidades e de igualdade. Então pra mim, o sonho da igualdade apesar de eu saber, utópico, continua vivo.

         Enfim...

         Este texto não tinha a finalidade de explicar nada e sim de colocar pulgas nas orelhas.

         As minhas estão cheias! Aliás...

         Quanto mais livros eu leio, mais bagunçados ficam meus pensamentos...

         Acho que vou começar a fazer como alguns amigos meus: só vou ler o que aparece na minha Time Line!!!!

         Eles parecem muito mais crentes nos seus próprios conceitos e certezas do que eu!